terça-feira, 20 de maio de 2008

Entrevista de Melo Gomes (CEMA)ao Correio da Manhã

Correio da Manhã – A Marinha está contra o comando operacional conjunto?
Melo Gomes – Acho que esse assunto da reestruturação das Forças Armadas é um assunto de Estado sobre o qual eu devo manter neste momento alguma reserva. O que lhe posso dizer é que procurarei tirar a emoção que rodeia todo este processo e situar-me mais no domínio da racionalidade.

- Mas pensa que se vai chegar a algum acordo?
- Pessoalmente estou empenhado em contribuir na medida em que me for possível para encontrar uma solução que seja equilibrada. Que sirva o País, primeiro, as Forças Armadas e a Marinha. Em relação ao comando conjunto, mais especificamente, nós não temos nada contra.

- A Marinha não se opõe?
- Não temos nada contra. Em termos genéricos não temos nada contra. Temos é de distinguir duas coisas. O que é o conjunto e o integrado. O conjunto visa a eficácia, o integrado visa a eficiência, ou seja, poupar os recursos. E essas questões muitas vezes confundem-se uma com a outra e é bom as pessoas se entendam sobre os conceitos de maneira a poderem de facto estabelecer uma plataforma equilibrada e que sirva o nosso País.

- Quando é que a Marinha vai ter o navio polivalente logístico?
- O polivalente logístico é um meio do sistema de forças mais conjunto de todos. Portanto, como vê, a Marinha apoia totalmente tudo o que se liga ao conjunto.

- Neste momento não existe nenhum.
- Não existe. É um navio em que tomarão parte a Marinha, o Exército, a Protecção Civil, porque o navio tem essa capacidade. Julgo também que é uma capacidade também um bocadinho ignorada pelas pessoas porque nós tendemos a pensar nas coisas quando elas sucedem. E quando elas sucedem já é tarde para as podermos resolver.

- Quando é que Portugal terá esse navio?
- No caso do polivalente logístico nós temos alocada a verba necessária na Lei de Programação Militar, temos um projecto, falta que se tome a decisão.

- Não faz ideia quando é que essa decisão política será tomada?
- Eu espero que essa decisão política seja tomada o mais brevemente possível, porque eu julgo que é um navio que, de facto, Portugal necessita.

- Há quantos anos é que não há um navio com estas características?
- Lembro-me que quando comandei a operação na Guiné em 1998 toda a gente ficou com a ideia de que o polivalente logístico era de facto um recurso indispensável. Bom, já lá vão dez anos. Mas eu queria dizer-lhe uma coisa sobre isto.

- Diga.
- As Marinhas não se podem improvisar. E são muito dependentes do planeamento por três ordens de razões essenciais. Primeiro porque os meios demoram muito tempo a ser construídos e a entrar em serviço. Sempre mais de dez anos. Em segundo lugar porque permanecem muito tempo no sistema de forças. São meios que duram 30, 35 anos, alguns mais do que isso e que já não deviam durar e ainda estão ao serviço. Em terceiro lugar porque de facto são meios bastante dispendiosos. E portanto é preciso um planeamento para podermos substituir nas alturas próprias, de maneira a não termos necessidade de fazer investimentos em contra ciclo económico.

- E que ficam mais caros.
- Os portugueses não são normalmente muito dedicados às questões do planeamento e as Marinhas dependem essencialmente do planeamento. Uma Marinha não se improvisa, planeia-se. E a função de um chefe de Estado-Maior é pensar para o médio prazo.

- Quando é que os novos patrulhões são entregues à Marinha?
- Eu espero que os dois patrulhas, os patrulhões, como lhes chamou, que estão em construção em Viana do Castelo sejam entregues à Marinha no fim do ano. Estamos empenhados em ter um produto de qualidade que sirva o nosso País, sirva a nossa Marinha e que, inclusivamente, possa coincidir com o interesse que muitos países vêm demonstrando em projectos deste tipo. Estamos empenhados que o patrulha seja um projecto não só português, que sirva as nossas necessidades mas que até tenha uma rentabilidade económica e financeira.

- Agora os submarinos. O ministro das Finanças lançou algumas críticas ao esforço financeiro, dando a entender que não seria uma prioridade. A opinião pública também não percebe o investimento. De uma vez por todas: porque é que os submarinos são importantes para a Marinha e para Portugal?
- A questão essencial que se põe em relação aos submarinos e da sua necessidade é primeiramente uma questão política.

- Política?
- Sim. É uma questão de querermos ou não conhecer o que se passa nas nossas águas. Quer na superfície, quer na profundidade. Dos potenciais adversários e até dos amigos. Essa questão é absolutamente crucial para um País marítimo.

- São essenciais para se conhecer o que se passa no mar?
- Exacto. Em tempo de paz, em tempo de crise e em tempo de conflito. Segunda questão: os submarinos, na minha perspectiva, vão ser meios, talvez os únicos meios, que tenham capacidade de dissuasão.

- Outra questão política?
- Política. Estas duas são questões políticas.

- São questões políticas que são contestadas por uma grande parte do poder político. Não é estranho?
- Vamos ver. Mas deixe-me falar-lhe na terceira questão: não estou preparado para empenhar uma força naval à distância perante um ambiente hostil ou potencialmente hostil sem ter uma cobertura de um submarino em apoio. Não se pode fazer. Nem nos litorais nem no alto mar.

- Nessas circunstâncias a Marinha ficaria impotente?
- Nessas circunstâncias a Marinha portuguesa seria uma Guarda Costeira pura e simples.

- Sem os submarinos seria uma Guarda Costeira?
- Uma Guarda Costeira pura e simples porque não tinha a capacidade, embora tivesse meios, não tinha a capacidade para os empregar no seu potencial. Ou seja, estávamos a desperdiçar recursos que investimos, designadamente em fragatas e reabastecedores de esquadras, mas de facto não os podíamos usar na medida de todas as suas potencialidades.

- Mas é um investimento muito grande para um País com fracos recursos.
- Eu reconheço que os submarinos são um meio caro. Não tenho nenhuma dúvida sobre. Agora há um balanço entre o que é necessário para o País, o que é que o País entende qual é a mais valia para a sua soberania que os submarinos lhe podem conferir e tudo o resto. Estou absolutamente convencido que esse balanço é positivo. Compreendo que em situações de aperto financeiro as questões sejam mais sublinhadas. Mas a questão para mim é uma questão de fundo.

- São os meios mais caros das Forças Armadas?
- Repare. Fala-se muito nos submarinos, mas os submarinos não é o sistema de forças mais caro que temos programado.

- Qual é?
- Eu não vou revelar qual é o mais caro, mas basta ir consultar a Lei de Programação Militar.

- Esta questão dos submarinos é demagógica?
- Toda a gente fala nos submarinos.

- É um tema fácil?
- Veja isto. O que acontece é que todas as Marinhas que não os têm querem-nos ter e aquelas que os têm não gostam que os outros os venham a ter porque são de facto meios que dão um poder aos Estados muito relevante no mar.

- Os contratos de manutenção dos submarinos estão ou não feitos?
- Nós, na Marinha, não temos a tradição de fazer contratos de manutenção, a não ser para aquilo que nós próprios não conseguimos manter. Nem fazemos contratos de manutenção para navios. Fazemos para pequenos coisas enquanto não adquirimos a tecnologia e a capacidade para fazermos nós as nossas próprias intervenções. Sempre foi assim.

- Para os submarinos também?
- É a mesma coisa. Igual. Nós, neste momento, temos cento e tal técnicos do Arsenal a trabalharem na Alemanha para se especializarem nos diversos sistemas dos submarinos. E esses técnicos vão ser capazes, como sempre foram, há muitos anos, de manter os nossos submarinos. Esse é um ponto completamente assente. Nós não compramos sistemas que não somos capazes de manter. Mais uma vez, uma Marinha não se pode improvisar.

- Qual vai ser o futuro do Arsenal do Alfeite?
- A Marinha pôs duas condições genéricas importantes e que vão ser cumpridas. O Arsenal, que é do Alfeite, fique no Alfeite, porque é imprescindível que se possa efectuar as acções de manutenção da esquadra e, em segundo lugar, que sirva prioritariamente os interesses da Marinha. Dentro destas duas condicionantes a Marinha está a aberta a todas as soluções.

- Mas não precisa de uma grande reforma?
- Acho que o Arsenal precisa de uma reforma. Precisa de investimento para se actualizar, para se tornar um estaleiro de vanguarda, ainda mais de vanguarda do que é hoje. De facto, se nós em Portugal temos capacidade residual de engenharia naval é ali.

- É o que resta em engenharia naval?
- É ali. É o núcleo de planos e projectos que existe no Arsenal do Alfeite. E, obviamente, temos mão-de-obra especializada muito capaz, tanto pessoal civil como militar. É um valor importante para o País manter uma capacidade de reparação e construção naval com o nível que ali existe. Portanto, eu, desde o início do mandato, sempre achei que era preciso reformar o Arsenal, torná-lo moderno e torná-lo ainda mais competitivo.

- Em que estado está esse assunto?
- Está a ser estudado, há um plano feito. Um plano que, pelo que conheço, salvaguarda esses interesses, o investimento. Um plano que salvaguarda os interesses principais da força de trabalho do Arsenal e salvaguarde os interesses da Marinha. Obviamente, conjugando tudo isto num projecto de futuro. Porque se o Arsenal se mantiver como está morre. E quando morrer eu não tenho meios de manter os navios e Portugal não pode dispensar uma Marinha, na minha perspectiva.

- A localização da Base Naval de Lisboa é a melhor do ponto de vista estratégico?
- Há sempre muitas outras possibilidades. Mas sabe que as coisas mudaram muito. Antigamente, a posição era coisa determinante para as esquadras. Hoje em dia isso já não se passa. Com os meios de vigilância que existem, por satélite e de comunicações, a posição não é irrelevante mas é menos importante. Em termos de conflito o que temos de ter é o aviso prévio de que a coisas vão acontecer e termos navios no mar.

- Porque é fácil bloquear o Tejo?
- Este ou outro qualquer. Não vamos pensar que não há bases que podem ser bloqueadas.

- Com o crescimento urbanístico à volta do Alfeite a base não começa a ser pequena para a Marinha?
- A base para a Marinha do futuro, que é aquela que eu tenho de fazer, serve perfeitamente. E com os pontos de apoio que nós temos, quer no Norte, em Leixões, quer no Sul, em Portimão, e em Ponta Delgada e no Funchal nós, com a Marinha com a dimensão que vamos ter, ficamos bem. E mais. A Base Naval do Alfeite é o pulmão de Almada. Aquele espaço verde dá um ambiente especial àquela zona.

- Em termos de vigilância da costa como é que está a situação? A Marinha tem um bom relacionamento com outras forças? Há quem diga que Portugal neste aspecto é um buraco negro, nomeadamente no tráfico de droga.
- Desde capitão-tenente, e já lá vão alguns anos, sempre pensei que era necessário que os vários actores, protagonistas do mar, se entendessem, se sentassem à mesma mesa como acontece em muitos outros países. Isso como vê demorou bastante tempo, mas julgo que demos um passo muito importante para haver essa coordenação.

- Qual foi?
- Primeiro, criámos uma comissão interministerial dos assuntos do mar que se articula ao nível político. Seguidamente criámos o fórum permanente do mar, envolvendo a sociedade civil. E, por fim ao nível operacional, finalmente, houve por parte do Governo, e promulgado pelo senhor Presidente da República, o decreto regulamentar 86/2007 de 12 de Dezembro que estabeleceu um mecanismo de coordenação entre todos os actores do mar.

- São muitos actores?
- Marinha, GNR, Transportes, Ambiente, Saúde e Sanidade Marítima, Agricultura e Pescas, Economia com a ASAE. Estabeleceu-se pela primeira vez em muitos anos num País marítimo um fórum do mar.

- E funciona?
- Funciona. Começou a funcionar este ano no Comando da Marinha, que junta as duas vertentes da Armada. A parte militar e a parte da autoridade marítima, vocacionada para as acções civis. E criou-se o Centro Coordenador Marítimo em que, com paridade, todas as pessoas se sentam. Discutem os seus problemas, fazem os seus exercícios e coordenam as suas acções.

- Já há resultados?
- Ainda cedo para se fazer uma avaliação. Mas já fizemos exercícios com o SEF, de combate à imigração ilegal, de combate à poluição com o Ambiente e a Agência Europeia de Segurança Marítima. Esta articulação vai se fazendo. Até porque é a maneira de rentabilizarmos os recursos.

- A troca de informação entre as diversas forças é um facto ou cada uma guarda-as para si?
- Eu acho que vamos todos perceber que é importante passar três fases. Primeiro é a fase da oposição, tradicional dos países subdesenvolvidos. Passamos essa fase de oposição para a fase da crispação. E chegamos à fase da colaboração, que é o que acontece nos países democráticos, desenvolvidos.

- Normais.
- Normais é uma expressão sua. Julgo que aos poucos nos vamos entendendo. Este processo não se resolve de um dia para o outro.

- Nem por decreto.
- É verdade. Nem por decreto. Sabe que na Finlândia passa-se exactamente a mesma coisa. Mas lá faz-se sem lei. Fazem porque é preciso. Mas demos um passo muito importante e os resultados vão ver-se no futuro. E os resultados palpáveis já se vêem no protocolo que fizemos com a PJ nas apreensões de droga no alto mar. Estamos a seguir um caminho para tornar a nossa costa num espaço vigiado, não num buraco negro de que falou, e que foi durante um tempo, até nos sistemas de comunicações.

- A situação das comunicações mudou muito?
- Repare, nós que queremos ter portos competitivos, uma marinha mercante com acesso aos nossos portos e tirar benefícios disso precisávamos de sistemas de comunicação, de comando e controlo, VTS, etc. a funcionar. E tudo isso começou a ser feito este ano.

- Tudo este ano?
- Tudo isso começou a ser feito este ano. Ou melhor, em 2007. São as tais coisas que não se vêem, mas que são absolutamente essenciais para que o tráfego marítimo que passa ao longo da nossa costa seja controlado.

- É um tráfego intenso?
- É 53 por cento do tráfego marítimo que abastece a Europa. Não nos podemos esquecer disso. Esse tráfego precisa de ter segurança, nós temos de defender o nosso Estado da poluição e disciplinar esse tráfego. E só este ano o Estado conseguiu alocar recursos para ter uma política coerente em relação ao mar.

- Os fuzileiros têm pouca participação em missões internacionais. Porquê? Estão a ser subaproveitados?
- Acho que os fuzileiros são subaproveitados em relação às suas capacidades. Mas, enfim, não me compete a mim empregar os meios no sistema de forças. Mas compete-me a mim dizer o que sinto em relação à subutilização dos fuzileiros. E tenho-o feito publicamente e em privado.

- Tem alguma explicação para isso?
- Julgo que são também as circunstâncias. Nós, Marinha, sempre tivemos mais contactos internacionais e naturalmente também era necessário balancear esses contactos para as coisas ficarem mais equilibradas. Agora o que acontece é que os fuzileiros sem experiência operacional vão-se degradando. É preciso, é necessário que lhes seja proporcionada essa actividade.

- Se isso não acontecer é uma frustração, ficam asfixiados?
- Asfixiam, enfim, o treino é muito intenso, mas nada substitui a operação real. Enfim, tenho procurado com recursos da Marinha fazer isso. Tenho os fuzileiros neste momento embarcados num navio anfíbio espanhol numa força conjunto com brasileiros e ingleses para manter essa mais valia dos fuzileiros. Claro que o destacamento de acções especiais tem desempenhado acções relevantes na repressão dos tráficos na nossa costa e fizemos aquela pequena acção no Congo em 2006. Temos quatro elementos no Afeganistão, três oficiais e um sargento, enfim é o que vamos tendo. Mas, de facto, eu gostava de ver uma unidade de fuzileiros numa missão internacional com a relevância necessária.

- E os socorros a náufragos? Há mais meios? As críticas quando acontecem acidentes são ou não justas?
- Obrigado por me pôr essa questão porque julgo que não é bem avaliada pelos portugueses. Vou revelar-lhe um número que traduz a minimização que a opinião pública faz do trabalho da Marinha e as outras entidades associadas têm feito no mar. Nós temos uma taxa de sucesso na busca e salvamento superior, melhor do que a dos americanos.

- Esses dados não são conhecidos.
- Mas eu estou a dar-lhes em primeira mão. Já falei neles há dias na Assembleia da República. Nós temos uma taxa de sucesso de 95 por cento dos casos, dois pontos acima da dos americanos. Agora, não há sistemas de salvamento e de socorro perfeitos. Nós podemos melhorar certamente. Mas o que temos é muito bom em termos internacionais sem nenhuma dúvida. Claro que perder uma vida no mar, perder uma vida à vista da costa custa muito.

- Como foi no caso da Luz do Sameiro.
- Exacto. São acidentes terríveis, que têm um impacto mediático muito grande, mas temos de olhar para a globalidade da floresta em lugar de olharmos para a árvore. E esse é o meu papel. Temos melhorado os meios e ainda recentemente aumentámos os efectivos com duas unidades salva-vidas que são o topo de gama, temos de resolver o problema do pessoal dos salva-vidas e sobretudo temos estabelecido protocolos com outras entidades. E os sistemas de comunicação também estão a ser melhorados.

- Qual é o futuro da Polícia Marítima? Dizem que são os enteados e querem sair da Marinha. Qual é a situação neste momento?
- Sabe uma coisa? Eu não sei se todos pensam assim. Pode ser só uma parte que tem essa ideia. Isto é uma sociedade democrática, as pessoas têm direito a expressar as suas opiniões, dentro dos estatutos próprios, e por isso eu acho que isso é uma questão reivindicativa normal. Mas o que acho é que a grande maioria dos polícias marítimos é gente muito dedicada, que gosta de estar na Marinha, que cumpre as suas missões muito para além do horário de serviço. Acho é que a Polícia Marítima precisa de ser reforçada.

- O trabalho é imenso, não é?
- A pressão do crime na nossa costa tem aumentado. As coisas não se passam só nas cidades. Passa-se também ao longo da nossa costa. A Polícia Marítima tem de ter os seus efectivos aumentados. E com melhores meios. Mas também lhe digo que a Polícia Marítima de hoje não tem nada a ver com a Polícia Marítima que tínhamos há cinco anos.

- Deu um grande salto?
- Tem coisas muito melhores, está muito melhor preparada, tem colaborações com polícias internacionais similares, aprendeu muito, foi dotada com novos meios. É outra realidade.

- A Escola Naval vai fechar?
- Enquanto eu for CEMA a Escola Naval não fecha.

- A reestruturação do ensino superior militar não a põe em causa?
- A minha posição sobre esse assunto é muito clara. Eu sou completamente a favor de que se integrem os ensinos e as formações de todos os militares à medida que vão subindo de posto. À medida que vamos evoluindo na carreira as coisas têm de ser mais dadas em conjunto. Acho, por isso, que a decisão sobre o Instituto de Altos Estudos Militares, que juntou os outros institutos, no fundo, foi uma boa decisão.

- Com essa concorda.
- Sim. Agora, sou completamente contra a integração do ensino ao nível da base. É aí que estão os genes, que se incute a cultura própria dos ramos. E não há conjunto sem partes. E para haver partes é preciso que as pessoas tenham uma cultura própria e se identifiquem com os seus ramos.

- A Escola Naval é muito procurada pelos jovens?
- O ano passado fizemos uma acção que deu muito bons resultados. Simplificámos o concurso, permitindo o concurso via Internet. Antigamente tínhamos uma prevalência de candidatos basicamente da zona de Lisboa e da margem Sul do Tejo e com isto conseguimos diversificar a origem dos candidatos e com isso conseguimos que a Marinha seja um corte da realidade portuguesa. Não temos falta de candidatos para a Escola Naval.

- Como é que está a Marinha neste momento em termos de meios?
- Nós temos meios que estão muito envelhecidos, designadamente as corvetas e os patrulhas. É para nós absolutamente essencial que o projecto dos patrulhões seja concretizada e que seja assinado o contrato das lanchas de fiscalização costeira para substituir os patrulhas, que são patrulhas que vêm do tempo da guerra do Ultramar, de África, e que foram desenhados para trabalhar nos rios. Acho que isto é um louvor à nossa capacidade de manutenção, mas é antieconómico manter estes meios.

- A manutenção fica caríssima?
- Nós estamos no ponto em que para sustentar as corvetas e os patrulhas vou ter de fazer investimentos de tal maneira vultuosos que não faz sentido serem feitos. Porque o prazo de amortização é muito reduzido.

- Esses contratos também dependem de uma decisão política, não é?
- É uma decisão política. Tudo é uma decisão política. Mas a questão é o planeamento. Insisto sempre nisto. Nós temos que arrepiar caminho, não falo na sociedade em geral, falo na Marinha.

- Aplica-se à sociedade.
- Não falo na sociedade em geral. Falo na Marinha. Nós temos de planear as coisas a médio prazo. Pelo menos. Depois somos obrigados a improvisar. A nossa Lei de Programação Militar e os projectos que estão aprovados permitem-nos de facto ter uma Marinha equilibrada, se o projecto for cumprido, em 2015.

- Em 2015?
- Sim. Ainda este ano vai-nos chegar a primeira fragata da classe Bartolomeu Dias, que é mais moderna que as fragatas Vasco da Gama que temos, no outro ano vai chegar outra, vamos, portanto, ficar com uma força de fragatas bastante razoável e moderna. Os submarinos chegarão para 2010, 2011, de modo a mitigar o efeito no défice. Os patrulhões chegarão no final do ano, os primeiros dois, os outros a seguir. E acho absolutamente imprescindível assinar o contrato das lanchas. E o polivalente logístico, enfim, as coisas existem, os planos existem e há dinheiro.

- Há dinheiro?
- Até há dinheiro. Tenho esperança que o polivalente logístico se possa construir daqui a cinco, seis anos.

- A imagem da Marinha foi abalado por casos de corrupção. São situações isoladas, a prevenção existe a sério?
- A questão não é de imagem. É de princípio. Defendemos valores e princípios que são a nossa cultura. Os casos que referiu são absolutamente pontuais. Nós somos 13 500. Temos uma contabilidade e um controlo sobre os nossos recursos reconhecidamente bons e eficazes, temos as coisas organizadas. Agora, há determinadas coisas que não temos possibilidade de controlar. São coisas que não se passam na nossa casa. Passam-se fora.

- Vai impor medidas disciplinares exemplares?
- A Justiça, na minha perspectiva, precede sempre a disciplina, temos de esperar que essas pessoas sejam julgadas e eu procederei disciplinarmente com nenhuma contemplação em relação a esses casos desde que sejam considerados culpados e as sentenças transitem em julgado. Mas, enfim, são os factos da vida e nós tomámos providências suplementares para minimizar ainda mais essas situações.

- Quais são as relações dos chefes militares com os Governos? Os chefes têm medo dos ministros da Defesa? Há alguma subserviência?
- Vou falar por mim, não me compete falar pelos outros. Nós não devemos publicitar as nossas posições. A instituição deve ter uma certa reserva. Não devemos tornar públicos sinais que obviamente se devem passar entre um chefe militar que o é e um ministro que também o é. Essas questões não devem vir para a praça pública. Primeiro não resolvem as questões. E em segundo lugar colocam quer o poder político quer os chefes militares em situações que podem ser de absoluta ruptura. E a ruptura, na minha perspectiva, só se deve concretizar quando não há outra solução dentro do espírito de diálogo e colaboração que tem de haver. E até de subordinação, porque os militares devem-se subordinar ao poder político.

- Isso não é a mesma coisa que subserviência?
- Não. Não se entenda o que eu disse como uma maneira de coartar as opiniões que os chefes têm a obrigação de ter perante o poder político. Porque há aqui uma coisa muito importante. O dever de tutela dos seus subordinados é do chefe militar e eu disso não abdico. A minha responsabilidade é pugnar pelos interesses da instituição, que prevalecem sobre os outros, e dos meus homens. E eu sempre fui comandante a minha vida toda.

- Presença de militares fardados mas manifestações. Os castigos têm provocado muita polémica. Qual é a sua posição?
- Eu penso que não há Forças Armadas sem disciplina. E a disciplina é uma coisa muito simples. É cumprir os regulamentos militares. Isto é que distingue os militares dos civis. E, portanto, eu aí não tive também muitas dúvidas. Quando verifiquei que havia elementos da Marinha que na minha opinião não estavam a cumprir com as normas e os regulamentos militares apliquei a disciplina militar.

- O que é pensa das associações militares?
- Não tenho nada contra, o que acho é que a sua acção tem de ser balizada. Julgo que neste momento cada um conhece o que deve esperar do outro. Isso está perfeitamente compreendido e o Estado como Estado também entendeu a necessidade de alterar os seus mecanismos e o seu enquadramento legal. Porque militares fardados na rua não é próprio de um Estado democrático. As coisas tendem, neste momento, no sentido da normalidade.

- Concorda que os oficiais na reserva também tenham limites de liberdade de expressão?
- Está a falar no projecto de regulamento disciplinar. Acho que o Estado democrático tem muitos passos até essa lei ser aprovada. E acho que o bom senso e sabedoria do povo português se vai transmitir aos políticos no sentido de que essas questões sejam ultrapassadas no processo legislativo. Não é uma questão que me incomode, que me preocupe em especial. Temos de dar tempo ao tempo.

- Que balanço faz do seu mandato?
- Faço um balanço de muito trabalho. Não me compete fazer um julgamento de mim próprio. O que posso dizer é que estou a fazer o melhor que posso, no sentido de servir a Marinha, as Forças Armadas e o meu País. É isto que eu faço há mais de 40 anos.

- Mas este cargo é especial.
- É especial. Mas como já não posso comandar navios, que foi de facto o que gostei de fazer, comandar a Marinha é uma grande honra e um privilégio que eu tenho tido o gosto em protagonizar.


PERFIL
Fernando José Ribeiro de Melo Gomes ingressou na Escola Naval em 1965. Comandou dois draga-minas, uma corveta e a fragata ‘Corte-Real’. Esteve na Guiné, no Centro de Instrução de Táctica Naval, no Estado-Maior da Armada, na Casa Militar da Presidência da República e no gabinete do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Foi o comandante da operação que evacuou civis de Bissau durante a guerra civil de 1998. Foi promovido a almirante em 2005, ano em foi nomeado chefe de Estado-Maior da Armada pelo actual Governo. (Fonte:C.M)

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente entrevista, boas perguntas e excelentes respostas. Nunca tinha pensado desta forma na Marinha Portuguesa.

Alpha disse...

Caro Kyriu,também gostei muito desta entrevista do Almirante Melo Gomes,teve sempre respostas directas e assim conseguiu passar as suas ideias e preocupações sobre o presente e futuro da Marinha de Guerra Portuguesa.

Saudações