sábado, 24 de maio de 2008

Entrevista ao Chefe do Estado-Maior da Armada ao Jornal da Madeira

Tendo em conta o passado recente, é altamente provável que um dos futuros novos meios navais da Armada venha a receber o nome de "Funchal", para juntar-se aos já anunciados Viana do Castelo, Figueira da Foz, Sines e Ponta Delgada. Antes do discurso oficial de onde poderá sair a novidade, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Melo Gomes, admitiu em entrevista ao Jornal que temos dos melhores navios da frota da NATO e que fazemos boa figura com os nossos meios humanos e logísticos.

No próximo ano comandaremos a "Standing Nato Maritime Group", a força naval da Aliança no Atlântico. Uma força onde não costumamos ficar mal vistos e onde os navios como a fragata "Côrte Real" é sempre a que se destaca entre os meios das Armadas da NATO. O Almirante Melo Gomes fala dos seus projectos para o futuro da Armada portuguesa e da saúde da Marinha.

Jornal da Madeira — Há alguns anos que se ouve falar de patrulhas oceânicos, de fragatas novas, de lanchas de fiscalização. Qual é, neste momento, o ponto da situação?
Melo Gomes – Teremos a entrega da primeira fragata a 21 de Novembro, a "Bartolomeu Dias", com tecnologia mais avançada do que as fragatas da Classe Vasco da Gama. A segunda será entregue no final de 2009. Os patrulhas oceânicos, conforme está planeado neste momento, serão entregues no início de 2009 e o submarino "Tridente" será lançado à água a 15 de Julho deste ano. Mas para nós é absolutamente imprescindível assinar os contratos das lanchas de fiscalização costeiras, que são importantes para o reforço do dispositivo naval que a Marinha tem, quer nas ilhas, quer no continente.

JM – Dispositivo que neste momento está a ficar cada vez mais envelhecida…
MG – É para nós, também, fundamental que, na altura em que estamos a caminhar para o sentido do conjunto, o mais conjunto de todos os meios, que pode ser usado pelos fuzileiros, pela Força Aérea e até para a Protecção Civil não esteja ainda programado. Há já dinheiro, há um projecto e agora há que tomar a decisão para dotar a Marinha desse meio.

JM – A par disso, o reequipamento das fragatas da Classe Vasco da Gama…
MG – O projecto que temos neste momento é fazer uma modernização de meia vida às fragatas da classe "Vasco da Gama", o programa sequencial ao das fragatas que estão para chegar. No fim, ficarão todas iguais.

JM – Nesse cenário, quando é que estarão na água as lanchas de fiscalização costeira?
MG – Não podem estar depois de 2014, pois não temos maneira nenhuma de pôr os patrulhas da classe Cacine a trabalhar para além dessa data.

JM – Até porque, segundo palavras suas, a substituição já passou o epíteto de "urgente".
MG – Acho que é um hino e um louvor à capacidade de manutenção da Marinha o facto de termos navios com quase quarenta anos ainda a navegar. Com os custos que isso tem.

JM — A criação de um Centro Internacional Coordenador Marítimo articula um conjunto alargado de entidades e departamentos do Estado para exercer a autoridade do Estado no mar. Essa estrutura vai envolver a Madeira?
MG – O centro é um grande avanço no sentido da modernidade, que há muitos anos se impunha e que, de facto, a legislação publicada em Dezembro do ano passado, fez com que se encontrem, agora, em paridade, todos os actores no mar. Num país que se diz marítimo, este era um trabalho que poderia ter sido feito há trinta ou quarenta anos. Foi criado também, a comissão interministerial dos assuntos do mar, o pólo político para tratar destes assuntos, o fórum permanente para os assuntos do mar, que é uma reunião de "experts" nesta área, vocacionado para a ligação com a sociedade civil.

JM – Esse centro poderá ter uma espécie de "regionalização", uma vez que algumas das entidades não existem na Madeira?
MG – O centro existe, funciona em Oeiras, é possível envolver a Madeira directamente.

JM – Falámos em meios novos. Há gente para preencher os lugares disponíveis nesses navios?
MG – Não há dificuldades. Não há é o número de candidatos necessários, se falarmos, por exemplo, nos fuzileiros, para preencher todas as vagas. Porque as provas físicas são exigentes e os candidatos não conseguem corresponder. É uma geração "playstation" incapaz de fazer três elevações, coisa que eu, com sessenta anos, faço. Mas não é um problema grave dos fuzileiros, é um problema nacional, a juventude está a afastar-se do desporto, da forma física.

JM – Já que falou dos fuzileiros, quando é que aquela força vai operar a sério, nos teatros de operações?
MG – Tem sido uma preocupação minha. Têm estado afastados dos teatros. Não é possível inventar operações para eles, mas temos de os utilizar, porque são uma força muito capaz, muito profissional, das mais capazes que temos e que vai perdendo experiência, por não estar nos teatros. Isso justificou-se durante anos, pois era preciso adaptar as outras forças aos novos ambientes internacionais, mas agora já não. E uma força que treina apenas para treinar, nunca será uma força motivada. Tenho sempre procurado mantê-los no activo.

JM — No próximo ano comandaremos a "Standing Nato Maritime Group", a força naval da Aliança no Atlântico. Que Armada lhes vamos mostrar?
MG — Navios capazes, como a fragata "Côrte Real" e os outros. A futura "Bartolomeu Dias" e as outras fragatas. São navios equiparáveis, tecnologicamente, aos outros. Posso lhe garantir que temos das melhores fragatas e guarnições da NATO.

JM — Mas não é isso que o país pensa…
MG — Temos a mania de dizer que os outros têm melhor do que nós, mas temos um dos melhores navios que a Aliança tem. Quando vamos treinar a Inglaterra, a "Côrte Real" sai sempre com melhores classificações do que os outros navios que lá estão. É importante termos a noção de que quando integramos forças navais temos missões importantes e quando as comandamos evidenciamos as nossas capacidades.

JM — O outro "filho" da Armada é o Instituto Hidrográfico. Como estão os meios, numa altura em que se está a estender a plataforma continental?
MG — Temos o "Gago Coutinho" e o "D. Carlos I" que posso afiançar que são dos melhores navios do mundo para efectuar missões hidro-oceanográficas. Temos conhecimento dentro do Instituto que é reconhecido internacionalmente. O IH é um instituto de investigação científica reconhecido em todo o mundo, empenhado na extensão da plataforma continental para que possamos entregar a nossa candidatura às Nações Unidas. Prevejo que, no mínimo, possamos alargar, em algumas áreas, até as 350 milhas e no mínimo, entre três a cinco vezes a área de Portugal continental, cerca de 250 mil quilómetros quadrados.

JM — Outro dos seus objectivos é a empresarialização do Arsenal do Alfeite. Como está neste momento essa ideia?
MG — O Arsenal do Alfeite é outro dos organismos essenciais à Marinha. Temos a tradição de sermos nós a fazer a manutenção dos nossos navios e com bons resultados. Neste momento, tenho cem homens a ser preparados para a manutenção dos futuros submarinos e cerca de quarenta a preparar-se para fazer o mesmo com a manutenção das futuras fragatas. Portanto, o nosso conceito é sermos capazes de manter os nossos meios, admitindo recorrer a outros, pontualmente, em alguns sistemas em que ainda não estamos especializados. E isso é que nos dá autonomia e capacidade de, em qualquer momento, operacionalizarmos uma esquadra. Grande parte da Engenharia Naval portuguesa que ainda existe está ali.

JM — Já disse que o sector de pessoal da Marinha deveria ser um "case study" na Administração Pública.
MG — A Marinha tem todas as qualidades, quer de pessoal, quer de carreiras, que existem na Administração Pública. Temos militares, civis, com diversas carreiras, militarizados, que é um estatuto entre os civis e os militares, com quatro ou cinco especialidades e, portanto, todos os problemas e, também, todas as potencialidades que existem na Administração Pública têm ali um mini-quadro dentro da Marinha.

JM — Parte do pessoal da Marinha é formado na Escola Naval, que quer transformar para adaptar-se aos novos tempos, em termos de planos curriculares.
MG — Não que seja imprescindível à Marinha, mas não posso fugir a equiparar os Oficiais de Marinha ao que se passa nas Universidades. Se me perguntar se estou de acordo, não estou. Acho que transformamos o processo de Bolonha num instrumento para mudarmos designações que eram licenciados em mestres. Os cursos de três anos passaram a ser licenciaturas e os de cinco, mestrados. Via "Bolonha" como um processo de ensino continuado ao longo da vida e agora há um paradoxo na Armada, que é um guarda-marinha com o grau de Mestre aos 24 anos. Na Marinha um Mestre é uma pessoa muito experimentada.

JM — O navio-escola Sagres transmite ensinamentos aos futuros oficiais de Marinha.
MG — Estar no mar é saber estar com os outros, é compreender as dificuldades de vivermos todos em conjunto, num ambiente fechado. É aí que precisamos de ter tolerância, mas também regras muito claras, que são quase de auto-regulação entre as pessoas. Aí, o navio-escola Sagres é um meio extraordinário para que isso aconteça, para além da simbologia que encerra. A Sagres é um navio que, em todo o mundo, é conhecido, tenho centenas de pedidos para aquele navio-escola ir a todos os lados do mundo. Gostaria eu de poder responder aos pedidos todos e que a Sagres pudesse fazer uma viagem à Volta do Mundo.

JM — A logística para uma viagem de instrução de cadetes é complicada e muito dispendiosa. Não tem a noção de que se faz muito com tão pouco dinheiro do Orçamento de Estado?
MG — Faz-se alguma coisa.

JM — Sustenta-se uma Marinha...
MG — Os recursos nunca são suficientes para a nossa ambição. Gostaria de ter muito mais. Não me queixo da exiguidade dos recursos financeiros, tenho tido os suficientes para sustentar a Marinha. Do que me queixo e que acho que é preciso rever é o mecanismo administrativo que regula a afectação desses instrumentos financeiros. Para o Estado todo. A carga burocrática é de tal forma grande que muitas vezes tenho a sensação de que se ela não existisse eu podia gastar melhor os recursos que os portugueses me dão.

JM — A Espanha investiu muito nos últimos anos na sua Armada, comparando com a de Portugal.
MG — Fizeram um grande investimento, sempre tiveram tradição marítima, mas a sua Marinha desenvolveu-se muito, com meios muito modernos, o Estado achou que era uma prioridade e seguiu-a. Nós temos conferido alguma prioridade, mas nunca poderemos ter ambições de nos equiparmos a Espanha. Mas posso garantir que, nos nossos navios de classes iguais, não há termos de comparação.

JM — Vamos esperar, então, que a Madeira seja dotada de dois meios navais quase em permanência. Que podem ser corvetas, patrulhas, lanchas...
MG — Logo que tiver os Patrulhas Oceânicos na água, posso garantir que vou ter, na Madeira, durante grande parte do ano, dois navios aqui. Podem ser corvetas, patrulhas, lanchas de fiscalização rápida, um patrulha e uma lancha. Serão sempre dois, o que serão, não sei ainda.

Fonte : Jornal da Madeira - 23/05/2008

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